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quinta-feira, abril 27, 2006

Da letargia e outras drogas...


talvez vá sendo tempo de avivar a voz, de esticar os dedos que sem uso encarquilham e voltar ao diálogo. quando se perde a vontade de dizer segue-se, quase sempre, como uma espécie de fechado determinismo, a vontade de escutar. resta então o silêncio, os pássaros que são o nosso desassossego, pousam e já não cantam no entardecer que chama a lua. é verdade que, de tempos a tempos, é preciso limar as palavras, apaladar o gosto dos verbos, afiar os adjectivos e encher as mãos de interjeições, mas não convém parar muito tempo, o corpo habitua-se ao descanso letárgico com uma facilidade assustadora e, quando damos por isso, temos a vista envidraçada com frondosas teias que nem as mãos mais predispostas a aracnídeas tarefas são capazes de desfiar. não fazer nada, contemplar e pensar que é tudo tão distante e tão destituído de interesse é uma espécie de narcótico que aparentando elevar-nos nos coloca na mais profunda indiferença como prisioneiros de uma miopia que afecta muito para além dos olhos. esbracejar é preciso, mesmo que seja só acenar ao vento. quem nos olha de longe, mesmo que nunca nos olhe no raiar estrelar da retina, pensar-nos-á muito mais vivos do que nós sabemos estar. enganar o inimigo é uma das melhores estratégias de sobrevivência, mesmo se o inimigo tem o nosso nome e respira pela nossa boca.

segunda-feira, abril 03, 2006

De quantos nomes se faz a infância?


De quantos nomes se faz a infância? E quantos papagaios de papel são precisos para ter direito a um céu exclusivo? E se me banhar até à exaustão será que o mar me confundirá com os peixes? E se os meus olhos souberem ser minuciosos de forma excessiva ainda me faltará muito para ser águia? E se no coração tiver as cores todas poderão as mãos augurar a delícia do pintor? E se amar muito um lugar poderei com paciência ver-me crescer raízes? E quantas palavras na boca farão de mim um poeta? E quantas vezes é preciso afagar a tua pele para atear a paixão? E quantos amigos é preciso ter tido para não recear a morte? E se chorar muito será que me dissipo como as nuvens? E será que este absoluto fascínio pelos teus seios fará de mim alpinista? E quantos sonhos preciso somar para merecer a realidade? E quantas gotas de orvalho matam esta sede oceânica? E se escrever o teu nome no vento poderei esperar que regresses como as andorinhas?


El ladron de la infancia
José María Córdoba