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sexta-feira, setembro 29, 2006

No princípio...


Adorava saber quanto custa uma palavra, dessas mais raras que a boca ainda não disse, e na sua insuspeitável leveza provocam sismos na alma e o estertor dos vulcões na língua. Soubesse eu onde mora essa palavra apocalíptica e atravessaria o deserto carregando as estrelas maiores só para a dizer uma vez e esquecê-la. Como deve ser extraordinário esse sabor de sílabas virgens a descer pelos lábios e a inquietar o universo. Uma palavra sem ângulos nem sombras suspeitas, redonda como as marés e a morte. Eu sei que ela existe, que se oculta na música dos dias que valem pelo entardecer. Pode confundir-se com o vibrato da harpa, mas é anterior ao dedilhado e à respiração dos pardais. Talvez se esconda no bolso das crianças que vão nascer, para uma palavra assim tudo é possível. Há quem treine as cordas vocais julgando-se eleito na espera, mas pode acontecer que ela não queira ser dita, que ela seja o que há de mais silencioso no silêncio ou, quem sabe, o efémero verbo que no início foi o princípio.