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sexta-feira, junho 29, 2007

Das palavras à palavra



Há dias vasculhava o dicionário e uma palavra chamou-me intempestivamente. Depois demorámo-nos à conversa porque era grave o seu tom e ficava nos lábios como resíduos de amora. Habitava o meio da página quatrocentos e qualquer coisa e dizia ter o corpo pronto de areia para uma vida breve. Olhei-a onde se acentuava e com uma timidez inusitada pediu-me que passasse a folha que outras mais extraordinárias adiante me esperavam. Disse-a vagarosamente até que se tornasse maiúscula e ela começou então a perceber que a minha boca era também outra casa onde podia morar demoradamente. Soletrei cada sílaba como se fosse construir uma ponte de música ou como um bebedor de licores tão subtis que só podem beber-se gota a gota. Uma euforia adolescente desceu-me do corpo às mãos e pensei em rasgar a folha para torná-la só minha, mas... acabei por recuar, porque já a tinha dito e era, por isso, também já do vento e dos que ouvem o vento. Todas as palavras germinam no teu peito diria eu a uma mulher se a amasse, todas as palavras na boca dir-lhe-ia serem necessárias para esperar o alvorecer, todas as palavras em uma só é o que numa vida inteira tentamos dizer.

segunda-feira, junho 25, 2007

Por detrás do silêncio


esta noite soa-me a violoncelo
e se houvesse nuvens seriam verdes
branco seria o hálito das avenidas
e vermelho o curso dos navios nas estrelas
e porque as aves migram de uma mão à outra
o olhar é uma cidade deserta
onde respiram pouco as mulheres que se dão
e as estátuas são gestos de silêncio
esperam um corpo os bancos nas praças
e adormecem os cheiros de haver primavera
só a brisa abraça a areia nas dunas
enquanto o mar arde de prata
esta noite as palavras são ditas pelo violoncelo
com uma absoluta precisão todos os nomes
com uma certeza dolorosa tudo o que há a dizer
e se um impreciso dedo perturba a melodia
o dia nasce insidiosamente mais cedo
esquecido das cores que iluminam o rosto
de quem não dorme para se alimentar de fantasia.