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quarta-feira, julho 11, 2007

Das cores, dos sons e do silêncio


Apuro o ouvido para desvendar que ruído faz a noite ao cair. Talvez um dia, com muito treino, seja capaz de ouvir, como Safo, as pegadas da primavera, o lento murmúrio do rio espreguiçando-se nos degraus do tempo, o sol em absoluto fulgor transportando a manhã, os cavalos mais vermelhos que o sangue que galopam o coração, as nuvens entrechocando em caprichos de tempestade, a oitava perfeita em que as galáxias se afastam nos confins do universo. Desde que me sei que uma sonata a muitas mãos me embala o sono. E de tudo o que vivi me ficou o eco a percutir as cordas da memória. Por vezes, confundo as cores e os sons da infância e já não sei se os meus amigos tinham uma voz azul ou se a lagoa era grave e silenciava com pétalas de chuva o verão excessivo no meu corpo. O tempo distante chega-me quase em surdina e preciso por isso de habitá-lo também com os olhos. Lembro-me do som dos passos inesperados. Lembro-me da voz dos que diziam o meu nome. Lembro-me do requiem na noite dos que partiram. Lembro-me de como o vento requebrava em teus cabelos de âmbar no primeiro entardecer. Lembro-me de como tecia fio a fio um absoluto silêncio e, só então, a noite me caía nas mãos para eu a adormecer.