Número total de visualizações de páginas

sexta-feira, setembro 04, 2009

abraço-te à distância...


Ela gesticulava energicamente. Brandia os braços, retorcia as mãos e todo o corpo se agitava como se quisesse com essa forma de expressão mostrar mais do que as palavras, apenas as palavras, eram capazes de mostrar. Um olhar um pouco mais atento pôde mesmo fazer ver que no seu rosto algumas lágrimas desciam pela força da gravidade ou pela força implacável da emoção. Não teria ainda os trinta anos, não era portanto ainda uma mulher balzaquiana, mas evidenciava um ar de arranjada burguesa e uma beleza indiferente à sua condição social. A beleza ocorre democraticamente, a sua manutenção é que pode eventualmente ser marcada pela assimetria social. Incomoda ver alguém que, pelo modo como se agita, indica que o mundo a hostiliza ou, no mínimo, não a compreende e era exactamente isso que um incauto observador, um observador ocasional, um improvável e imprevisível observador dava conta: uma mulher que está ferida ou que antecipa a ferida. Uma hipótese que me ocorreu na altura foi a da perda, isto é, uma perda acarreta sofrimento, acarreta dor, uma espécie de extirpação indesejada, e toda aquela agitação, toda aquela raiva, podia ter os deuses como destinatários ou se não os deuses pelo menos os senhores do destino, quem quer que eles fossem…
Elevei ligeiramente o meu ponto de observação. Queria saber quem a ouvia e era incapaz de atenuar, apaziguar, aquela tempestade. Tive que me deslocar e momentaneamente deixei de a seguir em pormenor. Logo que nova oportunidade surgiu morei nela os olhos tentando identificar o inábil companheiro. Precisei do intervalo entre dois semáforos para perceber que ainda não inventaram “mãos livres” capazes de dar abraços ou limpar as lágrimas.