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quinta-feira, julho 21, 2016

Ao Ruy Belo


Possivelmente ainda não chegaste, o areal está deserto e ao longe apenas gaivotas
Disseram-me que havia dias em que chegavas cedo, antes de haver luz
Que vias os pescadores, em barcos coloridos, romper as ondas enquanto acenavas
E seguias entre a tua melancolia e a espuma do mar a desaparecer no vento frio
Talvez esperasses que o poema se escrevesse no teu rasto de polvo das palavras
Ou o percebesses nítido e íntegro apurado o ouvido junto à senhora da guia 
Mas hoje, já percebi, hoje não te apetece o sal a colar os lábios nem ouvir as varinas
A noite teve muita lua, o uísque correu vagaroso e tiveste um problema com as unhas.
As algas dançam a meia água e morrem em tons castanhos, como os teus olhos
Chegou um homem descalço até aos joelhos e ameaçou o mexilhão com uma faca
Hesito em dizer em qual dos teus versos melhor o descreves
Porque lhe falta um saco de serapilheira para acomodar o destino.
Irisa-se o céu do lado de onde costumas aparecer
Mas a todos os que vejo vir lhes falta o ar de poeta e de ter insónias amiúde
Terás tu deixado Vila do Conde ainda com uma garrafa em maré cheia
Ou acometido de paixão súbita enlouqueceste de novo como na primeira vez
E rumado à Consolação para te livrares das dores que dão nos ossos que há na alma?
Vou perguntar por ti no cais, antes, talvez, ao velho banheiro, mal acenda o cigarro
Todos te conhecem com o mar ao fundo, poucos te sabem pedreiro das palavras
Se acaso morreste e, por isso, te atrasaste em voltar à praia
Manda um recado pelo homem que faz bom o caminho alumiando o farol
Evito assim andar Atlântico acima Atlântico abaixo para te dar um abraço
Dar to ei em qualquer lugar onde leia os teus versos que me inquietaram a vida.