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sábado, julho 01, 2006

À Sra. Ministra da Educação


Exma. Senhora Ministra,

Espero, sinceramente, que se encontre bem de saúde, assim como toda a sua dedicada equipa.
Devo começar por lhe dizer que hesitei muito antes de lhe escrever porque não queria, de modo algum, distrai-la das suas superiores tarefas de moralização da actividade docente. Acontece, porém, que depois de muito reflectir conclui que só a Senhora Ministra me poderia valer e, assim sendo, vejo-me na contingência de partilhar consigo as minhas preocupações na augusta esperança de que me possa esclarecer e mostrar o quão infundado é este meu aperto de alma.
Eu gostaria muito de vir a ser um professor modelo, de conseguir anos a fio a avaliação de excelente, mas já ouvi alguns colegas meus, certamente invejosos, dizer que nem pense nisso porque eles também são excelentes (ou pelo menos vão tentar sê-lo...)e, portanto, temo muito que estratégias de baixo valor ético venham a ser utilizadas nesta competição que devia ser edificante e limpa. Se a Senhora Ministra tivesse meia hora para olhar os meus apontamentos veria que falo verdade.
Preocupa-me também aquela proposta dos 97% de assiduidade, sobretudo depois de ter falado com o Conselho Executivo e este ter recusado alugar-me uma salinha para morar em tempo de aulas. Eu que tenho uma predisposição natural para o stress temo que faça alguma loucura se ouvir o toque da campainha e entre mim e o portão da escola algum obstáculo me impedir a excelência. Já falei com a família mais chegada e está combinado, e na minha família ninguém falta às combinações, que ninguém pode morrer em tempo de aulas (abrimos uma excepção para as sextas-feiras porque o funeral pode ser sábado ou domingo). Já agora, como eu gosto de jogar limpo, também lhe digo que se me sentir com febre, com dores de etiologia diversa, com sintomas depressivos ou qualquer intoxicação imprevista, me atirarei sem dó nem piedade das escadas da escola abaixo para ser abrangido pelo item acidente de trabalho e não pôr, assim, em causa a minha avaliação excelente.
Gostaria muito que soubesse que apreciei imenso o lesto e nada burocrático processo de avaliação que propõe para os docentes. Percebi, ao contrário das mentes maldosas, que o único desígnio que a move é a qualidade do ensino e o combate ao insucesso e abandono escolar. Não vi nem um único indício de preocupações economicistas, quando poderia perfeitamente ter proposto que os professores se quotizassem para pagar o giz, a água e a luz que consomem. É evidente que se uma empresa só é viável se os empregados produzirem um incremento de riqueza, também uma escola deve produzir mais transições do que retenções. E se os alunos não quiserem estudar, coisa que só os bons professores sabem evitar, devemos ser severamente penalizados por não termos sabido escolher outra profissão onde a matéria-prima nos obedecesse cegamente. Temo profundamente que as retenções que não consigo transmutar em transições, apesar do mais denodado esforço, me venham a empurrar para o limbo da carreira docente. E tremo só de pensar que na mente de algum dos meus futuros alunos se insinue o pérfido cenário do abandono escolar. Se não for inconstitucional irei propor no início do ano lectivo prémios de produtividade do tipo: quem vier a 97% de aulas passará garantidamente com não menos do que 18 valores, quem vier a 80% descerá abruptamente para o 15 e 50% de presenças dará direito a nunca menos que 12. Aos alunos que se inscreverem e pagarem as propinas, mesmo que não possam vir, se eventualmente me puderem avaliar os respectivos encarregados de educação, estou a pensar seriamente no 10 (acho que o 11 seria um pouco exagerado!).
Achei muito bem pensada aquela proposta de exoneração para os professores que no período probatório obtenham regular, descansa-me imenso saber que alguém vela pela excelência logo na admissão à carreira. E quem obtiver regular na avaliação anual é muito bem feito que tenha que acrescentar um ano à permanência nesse escalão, não queremos ver a progressão na carreira contaminada por indivíduos de valor científico duvidoso ou viciados em absentismo.
Creia, muito sinceramente, que não só perdeu os professores para ganhar a opinião pública, como também ganhou o meu apreço pela coragem e desfaçatez com que nos maltrata.

Com elevada estima,