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domingo, julho 11, 2021

Ao Renato














«Retorno

 

Fechado o círculo

Eis o encontro

Com o sentido

Contrário

 

Eu mesmo

Comigo defronte

 

Mas depressa

A pressa da fuga

É o confronto

Liberto

 

A face do verso

E do anverso

 

Recomeço

 

A minha medida

 

O que meço»

 

Renato Monteiro

 

Se dizer a tristeza fosse forma de a amenizar eu regressaria de imediato ao tempo das repetições infindas sem que isso fosse castigo, mas não há regresso, não há prestidigitação que sirva para enganar a ausência. É nestas alturas que invejo os que acreditam numa qualquer forma de reencontro, num breve interregno que a seu tempo permitirá reatar o que ficou incompleto, mas esta inveja é coisa de sentir, porque pela razão, ainda assim, continuo do lado do universo irrepetível, desencontrado e absurdo.

Estou cheio dessa ideia apaziguadora do enquanto houver memória, estou cheio desse bálsamo barato de que fica sempre o passado, estou cheio desses paliativos contrafeitos para amenizar a perda, é o futuro a cumprir que fere pelo vazio, pelo silêncio, pelo intocável e tudo isto é irremediável quando o tempo deixa de acolher no mesmo ciclo os que caminhavam juntos.

Calcorreámos estradas, resgatámos veredas, navegámos rios e margens, e discutimos o nome das árvores que nelas escondiam as garças e as cegonhas retardatárias. E visitámos conversas que duraram uma cerveja ou uma borba sem fim anunciado e que entravam pelas noites dentro antecipando o luar absoluto.

A quem vou eu agora pedir conselhos sobre os cinzas que das fotografias se precipitam para a vida? A quem vou eu agora pedir que recite de memória e de forma ímpar os poetas que me ensinaste a amar? A quem vou eu agora pedir que partilhe as histórias de pirilampos, de angariador de paixões pelo deserto, ou de tudo o que é ao Sul tirando a Ribeira e a beleza das coisas simples? A quem vou eu agora pedir que de áfrica relembre os cheiros do capim e das cubatas e a metamorfose dos rapazes que a guerra tornou homens? A quem vou eu agora pedir que sem rumo se faça à estrada porque me ensinaste que viajar é o único alimento das almas inquietas?

Não sei que deuses deva insultar se acaso algum existe, não sei que relógios deva destruir quando me dizem que chegou a tua hora, não sei como me insurgir contra este inclemente e inexorável ciclo do carbono, não sei contra o quê ou quem deva dirigir a minha insanável e descomunal revolta de te ter deixado ir tão cedo e tão breve, querido amigo.