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quarta-feira, dezembro 19, 2012

elogio da memória

 
Para a memória é indiferente que o teu rosto se esconda para mudar. Para lá da sombra, do que de nuvens se pode esperar em dias de desencanto, os traços firmam-se no bronze indelével que há logo abaixo da pele, e é lá que a memória mora.

Os pequenos truques de cor não passam de invenções de luz, como esse cabelo que terá ascendido em demasia para tão intenso nevão, e não chegam para iludir os que de perto te reconhecem os passos, mesmo os mais suaves, mesmo os que não se chegam a consumar, mesmo o que de movimento há na mais absoluta quietude.

É quase um gracejo primaveril o olhar que lança uma âncora para impedir partir, ingénuo como um cortejo de personagens de névoa, manso como tudo o que se abstém de acontecer, frágil como o gelo que se faz teto na água de uma só noite.

Em tudo o que respira há um relógio que, embora retalhe o tempo, nada lhe retira nem acrescenta, como esses rios, mares e oceanos que correm no mesmo corpo e são sangue do mesmo sangue e se inventam correntes e marés e são apenas um líquido abraço sobre um dorso de mulher.

Revisito a memória como quem revê um velho amigo, e ela, como os verdadeiros amigos, porque me vive por dentro, persiste nas histórias em que parece ter vivido sozinha, talvez para incentivar o espanto e a admiração e acordar o que da imaginação sobreviveu aos invernos de diluviana realidade.