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sábado, setembro 30, 2023

Perpetuidade

 

Abrupto foi o modo como o sol se escondeu por detrás dos teus coríntios ombros, e tu, sem pestanejar, acenaste numa pose diversas vezes ensaiada, mas que resulta sempre de forma convincente. Algumas nuvens na linha do horizonte tingiram-se de umas quantas e inomináveis cores. Os teus olhos, espelho para ambos os lados, ficaram ainda mais fundos que habitualmente. Algumas estrelas aquáticas fugiam para um universo paralelo. Pelo silêncio que se adensava instalava-se uma calma doce e um tempo fora dos relógios e dos calendários mais subtis. Nenhuma ave noturna, nenhum inseto a lembrar a efemeridade, nem um réptil lunar, apenas o vazio absoluto e a tua voz ausente em um fundo de mundo.

Amanhã, que eu não sei quando será, as árvores sairão das raízes como quem ergue os braços numa prece nunca atendida e depois de amanhã, que será após um amanhã incerto, nada se repetirá em honra a Heraclito ou, talvez, a tua pele, onde a história apenas regista aquilo que merece ser eleito como memória, recue no tempo e regresse à adolescência dos cheiros magníficos e das tardes de superlativa paixão. Imagino-te em mármore e eu Miguel Ângelo e havíamos de ser excessivos um para o outro, sem medida humana, sem final anunciado, apenas dávida e entrega sem medo nem reserva para iludir o tempo, para ludibriar a morte.


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