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sexta-feira, junho 29, 2007

Das palavras à palavra



Há dias vasculhava o dicionário e uma palavra chamou-me intempestivamente. Depois demorámo-nos à conversa porque era grave o seu tom e ficava nos lábios como resíduos de amora. Habitava o meio da página quatrocentos e qualquer coisa e dizia ter o corpo pronto de areia para uma vida breve. Olhei-a onde se acentuava e com uma timidez inusitada pediu-me que passasse a folha que outras mais extraordinárias adiante me esperavam. Disse-a vagarosamente até que se tornasse maiúscula e ela começou então a perceber que a minha boca era também outra casa onde podia morar demoradamente. Soletrei cada sílaba como se fosse construir uma ponte de música ou como um bebedor de licores tão subtis que só podem beber-se gota a gota. Uma euforia adolescente desceu-me do corpo às mãos e pensei em rasgar a folha para torná-la só minha, mas... acabei por recuar, porque já a tinha dito e era, por isso, também já do vento e dos que ouvem o vento. Todas as palavras germinam no teu peito diria eu a uma mulher se a amasse, todas as palavras na boca dir-lhe-ia serem necessárias para esperar o alvorecer, todas as palavras em uma só é o que numa vida inteira tentamos dizer.

3 comentários:

Anónimo disse...

Está desculpado pela demora. Estou a brincar, claro! Um verdadeiro encanto a sua escrita. Mas não nos deixe tanto tempo de respiração suspensa até à chegada de um novo texto...

Anónimo disse...

Quando os sentidos estão vivos e atentos, geram textos como este...
E que prazer para a alma (?) de quem os lê!

Anónimo disse...

A palavra, por si, já tem sabor. Mora na boca e no corpo inteiro. Mas a forma como se estrutura em torno da idéia diferencia, para mim,o gosto pelo texto.
As duas juntas formam o casamento perfeito. Habitam entre uma página quatrocentos e qq coisa e a morada de um poeta.

(só retiraria a inusitada à timidez, se tal me fosse permitido...)