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terça-feira, março 31, 2015

de areia e dos castelos

Já corri tanta praia à procura do único grão de areia que me falta e vou ter que continuar porque sem ele este castelo de tanto de tudo não se segura. Arquitetarei lugares efémeros para receber a noite com seu corcéis de sangue, enquanto os estábulos que mandei fazer em vime entrelaçado não vierem das margens de qualquer desassossegado rio. Há uma batalha à espera que alguém tenha uma vontade de morte, mas talvez a morte se canse de esperar e se faça coisa natural e suave como os fins de dia de junho quando amorna o vento e as aves são exclamações em voo dolente. Aqui deste lado, à sombra do castelo quase perfeito, vejo o mundo todo e paro sempre o olhar à tua porta grená. Esse vinho na cor embebeda-me e por isso toda a outra viagem que me obrigo a fazer é de uma violenta lucidez. Cruzo-me com raparigas magníficas de tão breves e descubro que há um pintor renascentista a desfazer-se dos amores porque lhe faltam as telas e o tempo. Os gritos das cores compõem a geometria rigorosa dos campos e o moleiro recolhe as velas porque apenas quer o assobio do vento para recitar a noite. Quando forem três horas o luar e o voo da coruja virão do mesmo lado do horizonte e um fio de frio beijar-te-á os ossos só para que saibas que estás vivo. Sobressaltos são abertos pela manhã e o dia é um limão gotejando na boca e ainda que beijes toda a água do mar e barcos de ampla vela ondeiem teus lábios só a mulher que amas saberá neutralizar a acidez do destino que não existe. Olho este relógio de dizer horas, porque não tenho os olhos dos gatos para ver as horas – como fazem os chineses -, e percebo que é quase silêncio certo neste mostrador inox que foi prenda de uma quarta classe de reis, rios, caminhos-de-ferro e alguns adjetivos superlativos. Entretanto no rendilhado da costa e no corpo oceânico o mar trabalha para que o meu castelo se cumpra. Somos mais líquidos do que sólidos e ainda assim não nos cresceram escamas em nove meses de amnióticas navegações.

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