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domingo, outubro 16, 2016

A música já está feita, o texto está por fazer.



A música já está feita, o texto está por fazer.
Talvez por isso escolhas essa forma de assobiar sobre o vento
Em vez de ousares aparelhar palavras que podem erguer muros e moradas
E deixar vestígios de saliva e tinta seca nas mãos cavas
E que nada apaga ainda que se tornem incómodas tatuagens na memória.
É fácil, é até sedutor, emprestar os ouvidos às mulheres que cantam
Em silêncio deixar que elas julguem a quantidade de desejo que as ouve
E que imaginem os cenários mais idílicos para compensar todos os não-dias.
As palavras podem ser melaço de cana ou uma lâmina de brilho inquieto
E algumas, labirintos em que o inclemente eco se teme mais que o Minotauro.
A música tem arestas boleadas e claves de Sol mesmo nas notas invernosas
Os violinos dão pouso aos pássaros e a flauta usa-lhes a voz emprestada
O maestro segue fiel atrás da batuta que sabe de cor todas as músicas
E até as crianças de ouvidos pequenos adormecem por Si sem Dó.
O texto desafia sem pauta a travessia branca do deserto
Exige um rio, mas não sabe apaziguar a sede
E liberta personagens que nunca mais te deixarão viver sozinho.
Alguém escreve a branco e preto neste piano que se ouve
É fim de tarde, hora profunda e um acorde solta-se ágil e completo,
Alguém, com jazz na voz, esta noite improvisará o que há de música no poema.