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sábado, maio 13, 2006

Quando os olhamos nos olhos...


Quando os olhamos nos olhos, quando desvelamos através dos olhos o lugar que se oculta na sombra e onde pensamos estar o filão do sonho, o sopro do desejo, a força imparável de ser puxado do futuro, temos a espaços, numa intermitência incómoda, que ora nos convida a abrir o sorriso, ora nos sela de silêncio os lábios, indecisões sobre o abismo. Sobre a verdadeira cor do abismo, sobre o ângulo em que abre contra o horizonte, sobre as palavras que são a estreita vereda nessa proximidade intimista com o abismo, sobre a natureza mesma do abismo.
Eles são vinte, trinta, um cento... E quando os interrogo em mim, um a um, tento perceber o que se esconde de significativo em cada uma da múltiplas evasivas. Sei que há ali gritos, revoltas, socos no estômago, insultos sem endereço definido, acenos de paz diluídos na distância e uma dor persistente de crescer sem se saber para onde nem para quê.
Todos nascemos com um manual de sobrevivência incorporado, mas antes que o saibamos usar arriscamos o desnorte, a caminhada pelo deserto por uma miragem, a fragmentação que levará tempo e muito cuidado a colar peça por peça. E haverá sempre os que inábeis na tarefa de compor puzzles hão-de arrastar uma incompletude insuperável.
De sortilégio são os dias em que eles parecem mais exigentes e não aceitam que repetir seja uma actividade nobre. Nesses dias arriscam estar ali com um olhar arguto de implacável juiz e somos nós que vacilamos. E mesmo que saibamos muito desse saber que os livros foram deixando nas bibliotecas do tempo, nunca saberemos o suficiente para ler o que não é do reino imediato da luz. De todas as raposas para todos os principezinhos: «só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.»

quinta-feira, maio 11, 2006

suspendam-se as pontes...


De tempos a tempos a virtude inflamada de não ter mais nada que fazer ou pensar senão nas longas cartas que não escrevi quando era tempo de dizer assim a alma como os arbustos estivais vai definhando há uma fina poalha que desce sobre os ombros e quase nos empurra para o centro solitário de onde é um sacrifício pungente sair para a luz diária distâncias que se somam como se a vida tivesse um contrato aritmético a cumprir mas o que na verdade se passa é que vamos consumindo o coração pelas esquinas desencontradas que não escondem o vento nem os olhos que apesar de em baixo voo ainda assim perscrutam uma suposta fuga de longe em longe pisamos as flores por tédio por mero esquecimento da beleza que há quando as coisas se dizem em plenitude afirmação viril contra hesitações torpes nada fala a voz dos caminhos que não percorremos talvez a saudade de ter perdido tempo de não ter sabido dizer com voz plena que à distância o mundo se curva para nos facilitar o andar saberemos nós qual a maneira mais apropriada de amarrar o sentimento esse inconstante guardião de nós aos outros não nós pouco sabemos das encruzilhadas que nos esperavam se o rumo fosse aquele que apropriadamente se oferecia seres de inconstantes que pelas noites múltiplas da escolha se aquietam esperando que do pouco fazer nasça um universo talhado para nós quanto de inconsciência há em tudo o que nos diz respeito mas ainda assim podemos respirar o ar dos montes e beber o verde como um manto que nos agasalhará muito para além de qualquer frio.