Número total de visualizações de páginas

quinta-feira, outubro 18, 2007

Why?


Na minha adolescência, no tempo em que os dias eram maiores que 24 horas e em que eu sonhava a cores sem ter que adormecer, tinha um poster na parede do quarto com um soldado a ser abatido e um WHY? em letra inquietantemente grande que teimava em ser lido de onde quer que eu me encontrasse. Hoje já não tenho esse poster na parede, mas sou assaltado frequentemente por essa interrogação e continuo a não ter resposta. Agora que o bilhete de identidade teima em dizer que sou adulto era suposto ter encontrado ao longo da caminhada um conjunto de respostas que me apaziguassem os dias, mas não! Há no mais íntimo da alma humana um absurdo inextricável que, por mais que me esforce, não consigo entender. De onde vem esse ódio que guardamos uns em relação aos outros? O que é que rapidamente, demasiado rapidamente, nos transforma em implacáveis predadores, quando, segundos antes, éramos inofensivos seres prontos a ajudar os outros? Porque é tão frágil e evanescente essa fronteira entre o amor desmedido e o ódio cego? Pergunto-me como é que coabitamos com essas personagens tão opostas em cada um de nós? Não seremos todos nós de forma irrevogável doentes mentais sem cura possível? Temos um profundo horror ao ilógico, ao que é desregrado, ao que é imprevisível, mas se nos olharmos atentamente, o ilógico, o desregrado, o imprevisível são modos de ser caracteristicamente humanos, demasiadamente humanos...
O que me causa profundo espanto é essa flutuação entre os extremos não ocorrer em simultâneo em todos os homens e assim, enquanto uns ateiam as chamas incontroláveis do ódio, outros teimam abnegadamente em ajudar os que sofrem. Fazemos intervalos nas guerras, interrompemos a morte por instantes e logo depois voltamos a matar. Curamos as feridas dos que não conseguimos liquidar eficientemente; tratamos os prisioneiros, que momentos antes pretendíamos aniquilar, com regras e respeito. Que animal estranho é este? Onde reside o sentido disto tudo?

quarta-feira, outubro 10, 2007

Além Tejo, Além mar


O Alentejo da minha infância era muito parecido com o mar, um mar verde de espigas e o horizonte lá muito longe para descanso dos olhos. Talvez por isso, hoje, que me desterrei em terras sem verde e com o horizonte mutilado com nuvens de betão, precise do mar para relembrar a infância e das gaivotas para continuar a acreditar na liberdade. O céu da cidade, mesmo naquelas noites em que a lua se ausenta, tem muito menos estrelas que pirilampos havia no meu quintal. Abro a janela, e não sei se é por estar muito perto do céu, não consigo cheirar o tojo, nem o rosmaninho, apenas me chega o odor apressado do autocarro e dos fritos da vizinha de baixo. A lentidão dos rebanhos que apenas se moviam na sombra, as mulheres coloridas que atavam as saias nas pernas, a panela de barro que me iniciou aos paladares superlativos, tudo isso se some como um nevoeiro que acinzenta as cores da memória. Só o mar é grande como o Alentejo da minha infância. Os barcos singulares riscando caminhos com chaminés e fumo são os montes onde o sol do entardecer gritava na brancura da cal. E os bandos de pássaros e as majestosas cegonhas regressavam como regressam as gaivotas a terra firme e conhecida. Nadar é como caminhar seara dentro e na pele o sal marca os mesmos caminhos que as farpas das espigas deixavam. O meu além tejo é agora o meu além mar, paixões paralelas que sei tocarem-se no infinito da minha infância.

sexta-feira, outubro 05, 2007

Do ovo à borboleta


Devo um ovo Kinder a umas meninas que me ajudaram a rir em dias cinzentos e que eu gostaria de ver voar para lugares onde só a felicidade é possível. Foram muitas as horas que aturaram o meu mau humor e pacientemente regressaram sempre vestidas com o melhor olhar. Por entre a inexorável necessidade lógica e a urgência de entender do que é feita a vida riscámos papéis e trocámos histórias que arquivámos na memória que é o único cofre para guardar as coisas importantes. Como um velho rezingão teimei em repetir-lhes que os tortuosos caminhos do futuro só se aligeiram se ganharmos balanço no presente e que desperdiçar a vida é o único desperdício não reciclável. Talvez um dia percebam que aqueles que tiveram o privilégio de vos ver crescer, e que cuidam ingenuamente ter-vos ajudar a crescer, hão-de seguir pela vida fora a questionar-se se algum contributo terão dado para que da crisálida a borboleta magnífica pudesse sair.