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domingo, janeiro 20, 2013

ler a sina


Queria-me ler a sina, e eu quase fui tentado a pôr um pé no futuro e deixar o outro aqui enraizado neste instante. Sendo tudo tão incerto, porque não haveria ela de pertencer a um tempo adiante e vir de propósito para me ler a caligrafia do inevitável. Habituado a duvidar, olhei-a por cima do ombro e disse que já sabia tudo o que me esperava, porém, segui com a inquietude a crescer, como uma erva daninha, a cada passo somado. De facto, nada sabia e ela, no fundo daqueles olhos cândidos, podia guardar o segredo da textura dos meus dias a vir, ou o caminho de ser completo e feliz, ou a astúcia para contornar as etapas em que se perde sem remissão. Quem sabe se ela não guarda todas as vidas de memória e a revelação desse segredo se oferece como um presente no presente, mas apenas uma vez e como um desafio para os mais temerários. Quem sabe se em cada mão por mais gasta e ausente de ternura não se oferece o itinerário do futuro. Quem sabe se ela não me esperava ali desde sempre e a minha pressa em não acreditar me condenou ao que há de eterno no presente…

quarta-feira, janeiro 16, 2013

anilhagem


Com mãos absolutamente gentis homenageiam a fragilidade. Encantado permanece suspenso nessa encruzilhada de olhares, quem sabe, arriscando hipóteses sobre o futuro. Pouco tempo antes, habitando na sua extrema leveza, o limite era a força do seu minúsculo coração-motor, agora um destino de gente estranha cruza-se com as suas rotas por entre nuvens e azul infinito. Olhos habilitados a ver de cima não estão treinados para evitar armadilhas suaves, embora, ainda assim, armadilhas. É possível que durantes os próximos voos a autoestima esteja baixa e as asas mais trémulas do que era hábito, talvez evite os insetos que antes suculentos o faziam voar mais perto do solo, mais perto desse lugar que a memória registou como um inesperado e súbito aperto de asas. Com medo que os esquecesse marcaram-lhe o corpo. Apesar de tudo as mãos que o aninharam eram suaves e o sopro que lhe abriu as penas na direção da quilha era muito semelhante a uma brisa de verão. No final, de novo mais leve que o ar, só pôde concluir que há alguns humanos menos vorazes que os gatos…