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sexta-feira, dezembro 27, 2013

que horas são fora dos dias?

A imaginação, com cores ainda sem nome, desceu pelas margens, roçou os pulsos das árvores aquáticas e levantou voo rumo à primeira nuvem no azul escarlate de um falcão peregrino. Os peixes de relance nadaram o futuro nos répteis que se aquecem no inferno.
É quase noite, nestas oito horas da manhã, tarde demais para que a mulher de vidro, com filigrana esbelta na cintura, possa beber o orvalho. A embriaguez vai ter que esperar por lábios pontuais, enquanto um casulo tece a malha dos dias e nas folhas de outono um rapaz desenha o universo num só sopro.
São raras as camélias nos chapéus, raríssimas as máquinas de costurar sonhos e não existem, de todo, deuses sóbrios de sobra. Há quem nunca adormeça com receio de acordar outro, de não saber colar peça a peça, no exato lugar, o primeiro beijo e o relâmpago que prenuncia o alfabeto do desejo.
Um cavalo galopa a tua imaginação e és a estepe, uma ave debica o teu olhar inquieto e és a linha do horizonte, uma boca de dizer abocanha o teu pescoço breve e és o acordar ao lado de quem amas. Mas também podes ser nada porque tudo te maça e porque a vida é demasiado longa para quem tem o relógio sempre atrasado. 

quarta-feira, dezembro 18, 2013

"Em caso de dor, dance."


E o que fazer se, ainda assim, a dor persistir ou se se agudizar? Talvez dançar de forma mais inteira, entregar-se nos braços dos ventos de levar para longe, deixar que os pés lavrem o palco, o pátio, o quarto esconso e com o cheiro a noites de tanta gente. Dançar no auge do inverno e entre as mãos e os dedos curvos, curvos como as velhas âncoras que seguram o barco de sempre a sempre, arranjar lugar para lançar sementes da tua voz balsâmica e do teu corpo opiáceo. Não se inventou, ainda, melhor forma de apaziguar a dor.
Depois, em segredo, dir-te-ei que há um universo de multifacetadas dores. Da mais fina, do florete a beijar a pele, à mais insidiosa, que é a lâmina traiçoeira da perda antes do tempo próprio. Para todas há um passo de dança. Do tango à rumba, passando pelo valsa, o alívio é súbito e avassalador como uma alvorada tropical.

E quando, quase em êxtase, o teu corpo renascer como o eterno tambor das noites africanas, nenhuma dor ousará sequer visitar-te quanto mais morar-te. Dançarás, então, à lua para a encher de crescente inveja e queimarás a última dor nessa fogueira das altas estrelas que dão brilho aos teus olhos.