Abrupto foi o modo como o sol se escondeu por detrás dos teus coríntios ombros, e tu, sem pestanejar, acenaste numa pose diversas vezes ensaiada, mas que resulta sempre de forma convincente. Algumas nuvens na linha do horizonte tingiram-se de umas quantas e inomináveis cores. Os teus olhos, espelho para ambos os lados, ficaram ainda mais fundos que habitualmente. Algumas estrelas aquáticas fugiam para um universo paralelo. Pelo silêncio que se adensava instalava-se uma calma doce e um tempo fora dos relógios e dos calendários mais subtis. Nenhuma ave noturna, nenhum inseto a lembrar a efemeridade, nem um réptil lunar, apenas o vazio absoluto e a tua voz ausente em um fundo de mundo.
Amanhã,
que eu não sei quando será, as árvores sairão das raízes como quem ergue os
braços numa prece nunca atendida e depois de amanhã, que será após um amanhã
incerto, nada se repetirá em honra a Heraclito ou, talvez, a tua pele, onde a
história apenas regista aquilo que merece ser eleito como memória, recue no tempo e
regresse à adolescência dos cheiros magníficos e das tardes de superlativa
paixão. Imagino-te em mármore e eu Miguel Ângelo e havíamos de ser excessivos
um para o outro, sem medida humana, sem final anunciado, apenas dávida e
entrega sem medo nem reserva para iludir o tempo, para ludibriar a morte.
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