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quinta-feira, março 22, 2007

De cavalos e desejo


Desejo um cavalo, um simples com quatro patas e um coração de vento e que traga nas ventas frondosas um olhar fixo de ver o mundo.
Se for possível, um corso de Carnaval para embelezar o curso dos dias e a árvore onde anoitece primeiro.
Depois, porque o tempo é curvo, um relógio que pingue gotas de ócio porque é urgente selar para viagens por outras vozes.
Se alguém quiser tenho um rio de ostras e margens de ternura onde os peixes são de névoa e as correntes de espuma.
Por pouco mais que um raio de sol, vendo a alma e uma assoalhada que dá para albergar um exército de sonhos. Talvez espere pela primavera que vem subindo dos trópicos com odaliscas e tâmaras de paladares inconfessados.
De Andrómeda é possível que chegue um aceno de vida, uma voz semi-breve ou, quem sabe, uma vela que enfunada arraste o universo. Ou talvez chegues tu com o teu tacto de talco e os lábios de amansar as marés excessivas.
São oito os dedos que apontam a lua e só sobram dois para endoidecer os teus seios que se recusam a morrer de tédio. Quando chegar esse alazão que o poeta prometeu trazer ao poema deixarei escrito que nada é impossível mesmo amar demasiado às segundas-feiras.
É verdade que o mar é um egoísta azul que se veste de gala nas tempestades, mas ainda assim sobra muito de desejos e praias com contas de vidro para incrustar em teu pescoço de cisne.
Ao longe ergue-se no dorso fugidio da manhã uma novidade: um sol prometido por Galileu e caem graves as aves da noite.
Tu és um réptil de cores cintilantes, uma língua de fogo a lembrar as iluminuras, uma fada com olhos em forma de asa, uma sossegada fonte para um coração deserto.
Ainda não chegou o meu puro-sangue, aquele que dará leveza aos meus passos, que da distância fará perto e que ao acasalar com Pégaso voará para onde quisermos.
A música com que respiras é uma suave harpa, é a ondulação imensa deste trigo que só no teu ventre se confunde com o ouro.
Outro dia choveram palavras, um dilúvio de verbos pelas calçadas fora, uma torrente de preces sem destino, um poema inteiro desaguou no rio.
De quem são estas mãos que seguram o mundo? É grave que me falem da gravidade que eu não percebo e se esqueçam do valor absoluto do sabor dos teus lábios. Por isso, dois são já os cavalos do meu desejo, um que traz os dias nunca iguais e outro onde alijo o peso do tempo em que te não vejo.

3 comentários:

Anónimo disse...

Estou a recompor-me! Mas obrigada, na mesma.Valeu a espera.

ELA disse...

Só uma pessoa apaixonada e apaixonante pode escrever isto. Um Beijo, Amigo!

Anónimo disse...

Sabia que o seu blog me fez reflectir? Eu explico. Devo confessar a estranheza sentida face à escassez de comentários aos seus textos. Depois de ter lido o último, acabei por perceber o fenómeno. O que dizer quando a alma nos fica cheia sem parecermos menores? Porque é assim que me sinto quanto por aqui pouso: MUDA!
"Outros bem tentam mas a obesidade dos lugares comuns condena-os a um purgatório do ridículo."
Perdoe-me se o fui. Mas tinha que o partilhar consigo. Obrigada.