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domingo, novembro 25, 2007

Das coisas com que se alimenta a alma


Hoje passei a tarde a contar gaivotas. Deve haver, certamente, coisas bem mais interessantes para fazer: passear no shopping, fazer as compras de natal, ir ao futebol, levar a família aos pastéis de Belém, beber uns copos com os amigos, ler Proust, visitar museus, enfim todas aquelas coisas que as pessoas normais fazem... Umas eram brancas, outras cinzas e outras ainda só asas contra um fundo de céu. Planam igualmente bem e simpaticamente voltavam a cabeça para baixo, na minha direcção, como se me quisessem cumprimentar. Eu, que não posso voar desde que me cortaram as asas em pequeno, gritava imitando o melhor que podia o ruído que fazem quando se juntam em animados festins. Aproveitavam a brisa e numa fila ininterrupta entre a arriba e o mar passavam mesmo à frente dos meus olhos. O mar estava tingido de um azul forte e alguns ‘carneiros’ polvilhavam-no de branco para que a monotonia não cansasse a vista. Dois ou três veleiros – como eu invejo esses felizardos! – pontuavam o horizonte. A rocha firme onde me deitei segredou-me que a terra é também um barco e, por isso, todos navegamos no mar dos mares sem outro rumo que não seja o infinito. Um corvo-marinho mergulhava como um ponto de exclamação no coração de um poema. Um gato preto pouco maior que um palmo fez sua morada o côncavo da rocha que tinha as raízes na beira-mar e de tão selvagem não deixou que o olhasse mais que breves segundos. Fechei os olhos como se quisesse fazer uma revelação interior que imprimisse nitidamente a minha memória. É bem possível que tenha adormecido como um réptil no sortilégio do meio-dia solar. Disseram-me depois que a tarde esteve fria e ventosa. Acredito. Foi por isso que escolheram o shopping para alimentar a alma...

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