Conheci alguns que eram dessa estirpe: tudo à sua volta era música e abraços de conforto amigo, e conseguiam estar fundeados longe de qualquer coisa terna ou um abraço, uma forma de olhar mais queimante ou incendiária. E resistiam. Os que resistem são mais interessantes ou apenas mais teimosos, não sei ao certo. Só sei que há uma panóplia de gente diferente, e não falo de rostos nem de almas, que é coisa mais misteriosa. Falo de respirações, de toque, de coisas simples como passarem por ti e soprarem-te ao de leve, como se não quisessem quebrar vidro frágil. Somos todos quebráveis de alguma maneira, e, por vezes, quando quebramos de forma a não haver selagem possível, só resta voltar a ser areia e ter esperança de que se há de voltar aos altos fornos e esperar sem desespero e esperar sem temer o dia que passa vertiginoso. Mais do que a vertigem, magoa a saudade, essa forma de derramar os olhos pela paisagem que não regressa, mesmo que a memória ainda seja forte e sadia. A verdade é que todos sofremos de saudade, senão de alguém, certamente de alguns dos nossos momentos. Depois, ainda há os que têm, poeticamente, saudade do futuro e, por isso, acordam com uma tremenda rapidez, por vezes antes mesmo de haver dia ou outra forma de luz. E, por isso, é vê-los deambulando pelas ruas, perdidos na imensidão de um corte com o sentido. E nada há de mais patético do que vaguear esperando encontrar aquilo que se perde para não encontrar. Todos sabemos quando perdemos o sentido das coisas, o sentido da vida, o sentido contra o absurdo que é tudo ter que fazer sentido, como essa espiral abre ao abismo dos passos em volta, e aí nada se encontra, por muito perspicaz que seja a forma de captar a luz.
São as histórias que nunca contei que me incomodam mais, porque não partilhar é a pior forma de estar cheio, porque não é de vento nem de maresia, é de coisas intensas, coisas que fazem mesmo ferida de forma particular, daquelas que nunca saram ou, quando saram, deixam uma profunda cicatriz que arrasta o riso e chega a pressentir o fim que acontece quando se julgava que o tempo havia de fazer maior os dias que desejámos e, sem remissão, fechar a concha do desassossego.