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terça-feira, novembro 28, 2006

A uma filha do vento


Tem um olhar de veludo, um corpo franzino esculpido na fome, uma voz mansa e pouco mais, para além da miséria tão absurda onde o próprio sonho é um luxo inalcançável. Contudo, já sabe, como as crianças nunca deveriam saber, que o frio traz lâminas inclementes nas intermináveis noites de Inverno. E no desaconchego absoluto da palha, certamente, muitas foram as vezes em que mordeu os lábios para não acordar os cinco irmãos com o choro não dos olhos mas da alma. A boneca mutilada que já testemunhou noutros lugares a felicidade é agora cúmplice da longa espera de quem nada espera. Chove copiosamente deste lado do mundo e esta menina cigana que mereceria o conforto que nós esbanjamos contará a medo, com os pequenos números que sabe, cada gota de chuva que escorrendo pelo puído pano da tenda lhe escorre pelo corpo e a impede de adormecer, de esquecer, de morrer brevemente para interromper o infausto ciclo da dor. Guardo o teu sorriso sem saber a que baú assombroso o foste buscar. Guardo o brilho inocente dos teus olhos como uma dávida de ternura de quem tudo dá porque mais nada tem para dar. Mas grito a plenos pulmões a raiva e a revolta contra os deuses e os homens que se esqueceram de te amar!

Foto Erik Reis

1 comentário:

ELA disse...

Não consigo fazer um comentário a este post. Acho que entendes porquê.
Beijos