Theo devia ser um irmão muito
especial... Não o deixava morrer à fome, eventualmente suportaria o custo dos
pincéis, tintas e telas e teria sempre disponível uma palavra de conforto nos
tempos de maior desespero.
A família de amigos tem o
privilégio de aceder aos lugares que permitem prolongar a sobrevivência. São uma espécie de aporte
imprescindível de oxigénio quando a apneia se afigura fatal…
Outros há, porém, que nasceram
sozinhos, sem qualquer espécie de irmãos ou amigos que saibam, para além do nome,
dizer palavras que aquietem o desânimo. É verdade que também estes podem ter
história, podem ter deixado marcas na vida dos outros, ter mesmo acreditado, a
espaços, que futuro não é só um tempo verbal.
Não havendo Theo resta-lhes a
fome, o desabrigo, a solidão magra dos dias de incerteza absoluta. Todavia podem
continuar a ser artistas… Todos sabemos que os artistas passam fome, emagrecem
para caberem nos papéis, ou para pesar menos quando morrem. Todos sabemos que
os artistas enlouquecem mais vezes que os humanos vulgaris de lineu e isso
é o preço que a fama lhes cobra. Todos sabemos que os artistas são assessorados
por deuses menores para também eles poderem participar na criação. Todos
sabemos que os artistas ao beber néctar e ambrósia de imediato alucinam porque
se deixam sugestionar por paraísos e palavras esdrúxulas que anestesiam a
língua. Todos sabemos que os artistas são nuvens pouco densas e ainda assim nos
trazem tempestades à alma.
Eu conheço um artista destes. Tem
uma morada com uma vista privilegiada sobre o Tejo, é o primeiro a ouvir o
rumor da ondas brandas, mal a manhã desponta. De noite o cavalete é
privilegiado com o luar total, e o orvalho em parceria com a maresia deixam uma
aguada para uma aguarela a cores suaves. Acenam-lhe dos transatlânticos quando
vagam o Tejo e ele retribui o aceno, passando o pacote de vinho tinto de uma
mão para a outra. Endireita-se para saudar o sol e retoca com a nobreza dos
gestos certos o cartão da barraca por onde toda a noite o vento assobiou fantasias
de uma portada entreaberta…
Mas do lado direito, esperando um
irmão mecenas, o cavalete, decorado a sacos de plástico, espera por todos os
quadros possíveis… Falta-lhe a família e a sorte, mas tem as duas orelhas!
1 comentário:
Bem insisti em ler umas quantas estórias narradas em short Movies por Gonçalo M TAvares mas nem uma me arrancou deste torpor...Para dizer: escreve mais coisas deste género !
Abraços RM
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