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segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Para quando a liberdade?


«O medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo.»
Rudolf Rocker

Porque será que é mais fácil acreditar nos deuses do que acreditar nos homens?
Coloco amiúde esta questão a mim mesmo e enquanto procuro a resposta, uma das muitas resposta possíveis, sou levado a pensar que qualquer que ela seja nunca será definitiva e como em tantas outras áreas da existência humana ela radicará sempre na escolha que cada um fizer de si próprio.
Kant disse-o de forma muito clara: o homem está condenado a colocar questões às quais nunca será capaz de responder. É esse o sortilégio e o profundo abismo das questões metafísicas. Mas, em simultâneo, será também este universo de questões aquele que traçará a fronteira entre a animalidade e a humanidade.
Protágoras, segundo citação de Diógenes Laércio, terá dito: com respeito aos deuses não posso conhecer nem se existem nem se não existem, nem qual a sua natureza, porque se opõe a este conhecimento muitas coisas: a obscuridade do problema e a brevidade da vida humana[1]. Protágoras parece-me um homem sensato. Mas Protágoras tem sobre si o anátema de ter sido sofista em contraponto aos filósofos. Será isto motivo para não ter razão?
Desde os cultos primevos até às grandes encenações dos cultos monoteístas contemporâneos não consigo divisar diferenças essenciais. A não ser, talvez, a perda de autenticidade. Parece-me infinitamente mais sensato adorar o Sol, a água, ou a natureza na sua pujante diversidade, do que uma entidade antropomorfizada que de tão abstracta só existe como conceito.
A célebre afirmação de Tertuliano Credo quia absurdum (Creio porque é absurdo), tem servido ao longo do tempo como defesa da fé e da crença religiosa contra a exigência da compreensão racional. O preceito fez escola e hoje, no início do século XXI, é possível ouvir quem defenda que este século será religioso ou não será...
Admiro a religiosidade dos chips de sílica, do ADN, dos foguetões, das ressonâncias magnéticas, dos antibióticos, dos supercondutores, da física quântica, dos movimentos globais contra a fome e pela justiça social, da químio e da rádio terapia, da clonagem, da fecundação in vitro; mas não consigo admirar a religiosidade dos que caminham de joelhos, dos que se deixam crucificar, dos que apedrejam o diabo, dos que se auto vergastam, dos que adoram ícones, dos que promovem alucinados em vez de os tratar, dos que contratualizam uma promessa, dos que matam em nomes do seu deus, dos que têm um lugar exclusivo no céu, dos que são o guardiães da verdade revelada, dos que promovem o sacrifício a expensas da salvação, dos que sentam o corpo sempre ao lado dos poderosos e dizem ter o espírito ao lado dos indigentes.
Deixou de ser politicamente correcto afirmar que a religião é o ópio do povo, mas, talvez, dizer que é o xanax, que é o Uísque para as dores do espírito, não seja tão desajustado. O absurdo é haver quem acredite no absurdo e mais ainda quem promova o absurdo como forma privilegiada de dar sentido à existência. O absurdo é haver quem desavergonhadamente promova a ignorância como forma de acesso ao reino dos céus. O absurdo é projectar no fundo da caverna uma ficção barata e querer manter aí os fiéis prisioneiros porque the show must go on.
Talvez o século XVIII já tenha dado a resposta mas, claro, trata-se de uma resposta politicamente incorrecta : "L'humanité ne sera heureuse que lorsque le dernier roi sera étranglé avec les boyaux du dernier prêtre."
Curé Meslier, rationaliste, athée et révolutionnaire, mort en 1729






[1] Protagoras, Fragmentos y Testimonios, Ed. Aguilar, p. 109.

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