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quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Valerá a pena uivar?



As folhas, timidamente, começam a aflorar nos ramos. Os pequenos nódulos caprichosamente deixam que o verde volte a respirar e Perséfone renasce para um novo ciclo. Mas o que sabemos nós da mudança? Se o observador se confunde com o observado é impossível ver claro. Só a distância nos permite ver o que há para lá do olhar. Os rios heraclitianos correm mercê de um inusitado degelo cada vez mais velozes e assim nem na primeira vez nos banhamos nas mesmas águas. Vivemos hoje num permanente vórtice e já não há lugar para olhar debruçado no sossego. Entre o breve e pré-histórico ontem e o amanhã fulgurante há uma ponte virtualmente suspensa sobre o absurdo. A estonteante velocidade a que se transfiguram as nossas vidas embota-nos o entendimento e a realidade é um lugar desfocado de instantâneos desconexos. Olhamos para trás perscrutando o caminho que até aqui nos conduziu, mas quando damos conta já não estamos aqui e mais um hiato se somou a tantos outros que torna a existência uma intermitência que não há forma de suturar. Escravos das coisas que nos libertam, criadores subjugados pelas criaturas, alienados pelo excesso e pelo supérfluo, já só lemos às escondidas os poemas antigos de quando éramos humanos, demasiadamente humanos. Temos o Universo na ponta do indicador mas saberemos nós transformar isso em alimento da felicidade? Neste canto do mundo onde se sofre penosamente de abundância as crianças já não brincam: digitam brincadeiras. As crianças não sabem saltar de uma pedra para a outra sem a ajuda de um joystick e quando temos saudades dos amigos beijamos a webcam. Decididamente sou um velho do Restelo, ou melhor, um anquilosado Windows XP em tumultuosas navegações interiores. Tenho que fazer urgentemente um upgrade à alma antes que os vírus ma bloqueiem de vez...

1 comentário:

Anónimo disse...

Temo que sejas um "Lentium III"! Mas não, até usas bem a digitalização! Chegaste até nós por via da maldita. É um mundo em permanente mudança, readaptação, reconstrução. Podemos até, imagina, mandar umas centenas de alminhas para junto da mão direita do mais poderoso, com um simples toque num botão. Queres coisa mais limpa? Sem lhes ver o branco dos olhos ... A gripe das aves é bem pior! Continua a uivar! Alivia a alma.