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terça-feira, fevereiro 07, 2006

Pensar o olhar

O Alberto Caeiro dizia que “pensar é estar doente dos olhos”. Talvez ele tivesse razão, mas ouvi ontem o Miguel Sousa Tavares dizer que: “o olhar não nos engana, que o olhar não mente, só o olhar capta a verdade” e, mesmo que quisesse seguir o preceito pessoano, não resisti a esta necessidade de pensar o olhar, ou olhar o pensar, já não sei bem o que vê e o que é visto.
Olhar a curvatura das ondas riscadas pelas asas das gaivotas é bem mais interessante que medir-lhes a altura e calcular a força com que debruam o areal. Olhar o recorte das nuvens e ver nelas os animais da infância é muito mais aliciante do que saber se são nimbos, estratos ou cirros. Olhar as heras que num amplexo vindo do fundo do tempo estreitam as árvores é bastante mais sedutor do que descobrir se são parasitas ou infestantes. Olhar a curvatura perfeita do sorriso de uma mulher é bastante mais agradável do que saber quais os músculos que foram convocados para tal gesto.
Mas não será que olhamos com o corpo todo? Que prazer será esse que se desconhece como prazer? Um poema que não percebo não me pode dar prazer, assim como uma pintura, uma fotografia que me agarra os olhos, agarra-os por dentro, quando uma luz interior se acende para iluminar de sentido o meu mundo.
Pensar não pode ser estar doente dos olhos! Pensar é ver e ver para além do olhar. Alguém disse que a realidade gosta de se esconder e assim sendo o pensamento, a imaginação é aquilo que nos permite levantar a pele do real e ver o coração das coisas. Olho para este amontoado de letras e vejo o que penso, ou será que são elas que me pensam e há ainda pouca luz aqui para pensar o que vejo de forma clara? Felizes dos que pensam com a paleta do arco-íris!

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